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"Como
Escrever uma Peça
Uma peça de teatro envolve drama e ação em seus atos mais puros. Tudo
de que você precisa é uma linguagem e atores. Se você deseja se juntar
a Shakespeare, Ibsen e Arthur Miller, será preciso desenvolver uma história
ousada, focada nos personagens e que seja própria para ser interpretada
no teatro. Com um pouco de sorte, você sentirá a animação de ver sua peça
finalizada sendo dirigida e atuada.
1 - Comece com os personagens.
Peças são roteiros focados em personagens. Já que o que vai acontecer
basicamente é um monte de conversa entre as pessoas, quanto mais críveis
seus personagens forem, melhor. Em peças boas, as tensões internas entre
os personagens refletem neles externamente. Em outras palavras, os personagens
precisam ter problemas que sejam aparentes em seu comportamento.
O que o seu personagem quer? O que está impedindo ele de conseguir algo?
O que está atrapalhando?
Pensar em trabalhos interessantes pode ser uma boa forma de desenvolver
um personagem. Qual o trabalho mais difícil que você conhece? Há algum
emprego que você sempre teve curiosidade de saber como é? Que tipo de
pessoa é um podólogo? Como alguém se torna um profissional desses?
Não se preocupe com o nome ou a descrição física do seu personagem. Não
significa nada ter um personagem chamado Rafa, que tem 2 metros de altura,
abdômen definido e usa camiseta de vez em quando. Fique com apenas um
atributo físico notável. Talvez seu personagem tenha uma cicatriz na sobrancelha,
devido a uma mordida de cachorro ou talvez nunca use saias.
2 - Pense no cenário. Esse é o lugar onde a história se passa. Colocar
seu personagem em uma situação ou cenário tenso é uma forma importante
de criar drama. Combinar o personagem com o cenário é uma boa forma de
desenvolver o personagem e descobrir como a história vai se desenrolar.
Se ser um podólogo é interessante para você, que tal ser um podólogo em
Paris, Texas? Que tipo de pessoa trabalha como podóloga em um lugar desses?
Por que uma pessoa faria isso?
Seja o mais específico possível ao detalhar o cenário. Quanto mais específico
você for, mais você terá para trabalhar em cima.
Considere quais outros personagens virão com o cenário. Quem trabalha
na recepção da clínica de podologia? Se for um negócio familiar, pode
ser a filha do podólogo. Quem tem um horário marcado na sexta? Quem está
aguardando? Para que eles vieram?
3 - Pense nas histórias internas. Essas histórias são os conflitos psicológicos
dentro dos personagens. Isso é amplamente escondido ao longo da história,
mas é importante para ter algum sentido conforme você escreve a peça.
As histórias internas guiarão os personagens em suas decisões ao longo
do enredo. Quanto mais concreta a história interna, mais fácil será escrever
sobre os personagens. Eles tomarão as próprias decisões.
Talvez o podólogo desejasse ser um neurocirurgião, mas não tinha estômago
para lidar com isso. Talvez o cronograma de um podólogo seja o menos extenuante
e permita que a versão estudante de medicina do seu personagem frequente
muitas festas, mas sempre tenha boas notas. Talvez seu podólogo seja uma
pessoa triste e incompleta por nunca ter saído de Paris.
4 - Combine a história interna com a externa. Enredos ruins olham para
o passado, enquanto enredos bons olham para o futuro. Seria bem chato
ter uma peça onde o personagem basicamente reclama o tempo todo sobre
como ele não queria ser um podólogo para depois decidir se matar com cera
de sapatos. Em vez disso, encontre uma situação dramática para colocar
seu personagem, de forma que ele seja testado e mude de alguma forma.
Se for Sexta-feira Santa, talvez os pais do podólogo (aposentados, também
eram podólogos) venham para um jantar de Páscoa. Mas o seu podólogo é
mesmo religioso? Ele vai à igreja? Ele terá que ir para casa e limpar
tudo antes do fim de semana? O pai dele vai querer que ele olhe as joanetes
DE NOVO? Essa vai ser a gota d’água? O que vai acontecer?
5 - Entenda as limitações do palco. Lembre-se: você não está escrevendo
um filme. Lembre-se: você não está escrevendo um filme. Uma peça é, basicamente,
uma série de diálogos entre pessoas. O foco precisa ser voltado à tensão
entre os personagens, linguagem e desenvolvimento deles em pessoas críveis.
Esse não é o ambiente para tiroteios e perseguições com carros.
Alternativamente, escreva cenas impossíveis para uma peça de teatro de
forma a explorar a produção do roteiro. Se você não tem planos de realizar
a peça em um palco, trate-a como uma forma diferenciada de um poema. Bertolt
Brecht, Samuel Beckett e Antonin Artaud foram todos inovadores no que
diz respeito à peças experimentais no estilo avant garde. Eles incorporaram
a participação do público e outros elementos absurdos e surreais em suas
dramatizações.
6 - Leia alguns dramas e veja algumas produções. Assim como você não escreveria
um romance sem antes ter lido algum, é uma boa ideia familiarizar-se com
o mundo do teatro contemporâneo. Confira as peças que você leu e gostaria
de ver no palco. David Mamet, Tony Kushner e Polly Stenham são roteiristas
de teatro populares.
É importante ver peças novas se você quiser escrever uma. Mesmo que você
já tenha um bom conhecimento técnico e adore Shakespeare, é importante
familiarizar-se com o que está em alta. Você não vive na era de Shakespeare,
então não faz sentido escrever peças como se vivesse.
Escrevendo Rascunhos
1 - Escreva um rascunho exploratório. Mesmo que esteja nos seus planos
ganhar um prêmio Tony com “A Páscoa com os Podólogos”, você ainda pode
se surpreender na escrita. Pode ser que você tenha a melhor ideia do mundo,
mas ainda será preciso escrevê-la e permitir que a surpresa entre na equação.
No roteiro exploratório, não é preciso se preocupar em formatar ou escrever
a peça corretamente. Apenas deixe as ideias fluírem. Escreva até ter um
começo, meio e fim para a peça.
Talvez um personagem novo apareça na história e mude tudo. Deixe rolar.
2 - Tente manter a peça curta. Ela é apenas um fragmento de uma vida,
não uma biografia. Enquanto pode ser tentador avançar dez anos ou fazer
o personagem principal largar o emprego e se tornar um ator famoso em
Nova York, uma peça não é o melhor ambiente para essas mudanças drásticas
nos personagens. Sua peça pode terminar com a tomada de uma simples decisão
ou com um personagem confrontando algo inédito para ele. Se sua peça termina
com um suicídio ou um homicídio, repense o final.
3 - Siga sempre em frente. Nos primeiros rascunhos, você provavelmente
vai escrever diversas cenas que parecem não ir a lugar algum. Não tem
problema. Às vezes, é preciso deixar o personagem ter uma conversa longa
e desconfortável com seu cunhado durante o jantar, e isso pode dar uma
nova perspectiva à peça. Isso é ótimo, significa que você está escrevendo
bem, mas também não quer dizer que o jantar inteiro seja importante para
a peça.
Evite cenas onde o personagem ficará sozinho. Nada pode acontecer no palco
com ele no banheiro se olhando no espelho, por exemplo.
Evite uma introdução muito longa. Se os pais do podólogo vão chegar, não
leve vinte páginas para dizer isso. Faça a cena acontecer logo para que
você tenha mais material para trabalhar em cima. Facilite as coisas.
4 - Encontre as vozes dos personagens. Seus personagens se revelarão na
linguagem. A forma com que eles escolhem dizer as coisas é até mais importante
do que o que estão dizendo.[
Quando a filha do podólogo perguntar “O que houve?”, a forma como ele
responderá dará o tom do conflito. Talvez ele faça um drama, revire os
olhos e diga “Tudo!”, jogando um monte de papel no ar, fazendo a filha
rir. Mas sabemos que ele está criando caso sobre o que está errado. Se
ele dissesse “Nada. Volte ao que você estava fazendo.”, veremos o personagem
de um jeito diferente.
Não deixe os personagens mostrarem seus conflitos internos. Um personagem
nunca deve bradar “Eu sou apenas um fragmento de homem desde que minha
mulher me deixou!” ou qualquer outra coisa explícita que entregue todos
os segredos. As ações devem falar pelos personagens, então não é interessante
que você os force a se explicarem para o público.
5 - Revise. O refrão do roteirista? “Mate seus queridos”. Você precisa
ser duramente crítico em relação aos seus rascunhos para pegar os primeiros
esboços e colocá-los no drama que você deseja escrever. Elimine cenas
que enrolam demais e os personagens inúteis. Deixe a peça tão sucinta
e concisa quanto puder.
Volte aos seus rascunhos e, com um lápis, marque todos os momentos que
pausam o drama com um círculo e sublinhe os momentos que desencadeiam
o drama. Corte tudo que está circulado. Se acabar eliminando 90% do que
você escreveu, paciência. Preencha os espaços vazios com coisas que façam
a história avançar.
6 - Escreva quantos rascunhos for preciso. Não há uma quantidade certa
a ser feita. Continue nesse processo até a peça ser finalizada, ficar
satisfatória ao ler e preencher todas as expectativas da história.
Salve cada versão do rascunho para que você possa arriscar novas abordagens,
mas sempre podendo voltar ao original. Os arquivos dos processadores de
texto comuns são leves, vale a pena.
3 - Formatando Sua Peça
Quebre o enredo em cenas e atos. O ato é uma peça menor dentro da peça
principal, composto de diversas cenas. As peças costumam ter, em média
de três a cinco atos. Geralmente, uma cena tem um conjunto determinado
de personagens. Se um personagem novo aparece ou se um personagem sai
de cena, significa que a peça está entrando em uma cena nova.
Um ato é difícil de distinguir. A história do podólogo pode terminar seu
primeiro ato com a chegada dos pais e a introdução do conflito principal.
O segundo ato pode envolver o desenvolvimento do conflito, incluindo cenas
onde os pais discutem com a filha do podólogo, o jantar de Páscoa acontece
e eles vão à missa. No terceiro ato, a filha pode se reconciliar com o
pai, dando um fim ao conflito. Fim.
Quanto mais experiência você tiver em escrever peças, mais fácil será
para pensar em atos e cenas conforme você esboça seus primeiros rascunhos.
Não se preocupe com no começo com a formatação — é mais importante acertar
no drama.
2 - Inclua direções de palco. Cada cena deve começar com direções de palco,
nas quais você descreve brevemente os componentes físicos do palco. Dependendo
da história, essa parte pode ser bem elaborada ou simples. É a oportunidade
de influenciar o ambiente em que se passará a peça. Se é preciso ter uma
arma ou parede no primeiro ato, acrescente na peça.
Além disso, inclua direcionamentos para os personagens a respeito dos
diálogos. Os atores tomarão liberdade em relação aos diálogos como bem
entenderem, assim como o diretor fará o mesmo. No entanto, é bom ter alguns
movimentos durante os diálogos. Um beijo, por exemplo, é bom para direcionar,
mas não exagere. Não é preciso descrever cada momento de movimentação
física de um personagem, porque os atores ignorarão essas instruções de
qualquer jeito.
3 - Marque os diálogos de cada personagem. Em uma peça, cada diálogo é
marcado com o nome do personagem em letras maiúsculas, com uma tabulação
de pelo menos 10 cm. Alguns dramaturgos centralizam os diálogos, mas você
é quem decide. Não é preciso usar aspas ou outras ferramentas de distinção,
apenas separe usando os nomes de cada personagem a cada vez que eles tiverem
uma fala.
4 - Inclua um prólogo. Isso inclui qualquer introdução que você queira
acrescentar à peça, uma lista de personagens e uma descrição breve deles,
notas do que você gostaria de incluir na montage do palco ou outras diretrizes
sobre a direção e, possivelmente, um resumo básico da peça se você tem
a intenção de enviá-la para concursos teatrais.
Dicas
Não desenvolva os personagens antes de escrever a peça. Conforme vai escrevendo,
você saberá onde é necessário acrescentar alguém e o que o personagem
deverá fazer.
Dê tempo entre as cenas para mudanças de cenário e para os atores ficarem
a postos.
Não se preocupe com nomes. É possível mudá-los depois.
Se a peça não for uma comédia, cuidado com o humor. As pessoas se ofendem
com facilidade se não se tratar de uma comédia. Mas, se for, você uma
amplitude maior de coisas para dizer. No entanto, não exagere (com piadas
racistas ou machistas, por exemplo). Nada de usar a palavra com “F” na
frente de crianças. Isso só funciona em filmes. Piadas com religião podem
até dar certo, mas há quem leve bem a sério.
Você pode escrever momentos em que os personagens entram na casa (a casa
é o público). Isso é mais comumente usado em musicais, mas caso seja necessário,
não exagere. Seja criativo!"
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